Hoje em dia tudo é um problema
Crônicas

Hoje em dia tudo é um problema

É comum que as coisas mudem com tempo e também é comum que o comportamento das pessoas acompanhe essas mudanças, afinal de contas tudo está em constante transformação, inclusive nós mesmos. Mas será que nós realmente precisamos mudar tanto assim? E será que é realmente necessário tentar fazer com que as pessoas mudem conosco? Será que não é hora de parar de olhar para o que o outro está fazendo e focar na nossa própria história? Será que não está passando dos limites essa nova onda onde tudo é um problema?

Hoje eu vi um vídeo de uma moça no TikTok dizendo que justo no momento dela de ser mãe, ser mãe se tornou um problema e que ela enfrenta diversos questionamentos e caras feias quando ela diz que está se preparando para uma possível gravidez.

Quando foi que ser mãe ou não ser mãe se tornou um problema coletivo? Quando foi que as pessoas começaram a depositar seus medos e inseguranças em pessoas que não tem nada a ver com a vida delas? E nesse ponto do artigo, eu quero deixar bem claro que ser mãe ou não ser mãe não é nem a ponta do iceberg de problematização do novo mundo que se tornou a internet.

Nesse novo mundo, você não deve ser mãe, mas também deve ser mãe. Nessa nova realidade alternativa, você não deve se casar, mas também deve se casar. Nesse manicômio, você não pode namorar por pouco tempo, mas também não deve namorar durante muitos anos. Nesse mundo imaginário, você não deve ficar muito em casa, mas sair de casa também é um problema. Nessa nova onda de loucura, você não pode fazer uma lancheira criativa para o seu filho, mas ao mesmo tempo você deve fazer, sim, porque senão você é uma mãe ruim. Nesse novo universo, você não pode ser velha demais, mas se você for nova demais, também não é legal.

Juro!

Nós chegamos em um ponto onde estar morto, talvez, seja a melhor opção.

Leia também: O cancelamento fala mais sobre o “cancelador” do que sobre o cancelado.

Hoje em dia tudo é um problema

Lembra das comunidades que existiam no Orkut? Lembra que não existia gente chata comentando coisas inapropriadas nos posts, porque cada um estava na sua comunidade cuidando daquilo que elas realmente gostavam? Naquela época, se você não queria ser mãe, você podia fazer parte da comunidade “Não quero ser mãe”, lá você podia dar a sua opinião sobre esse assunto, porque todo mundo dentro dessa comunidade compartilhava da mesma opinião que você. Se você queria ser mãe, você podia compartilhar da comunidade “Quero ser mãe” e milhares de pessoas faziam parte dessa mesma comunidade onde vocês podiam falar sobre esse assunto sem julgamentos.

E o mais engraçado é que mesmo tendo essas comunidades, os assuntos eram tão normais. Geralmente era algo relacionado a gosto musical, como “Fãs do Skank”, ou algo relacionado ao horário de ir dormir, como “Eu odeio dormir cedo”. Eram assuntos comuns, assuntos engraçados, assuntos que não envolviam decisões tão pessoais como ser ou não ser mãe, casar ou não se casar, ter ou não ter um relacionamento e por aí vai. As pessoas não eram tão intrometidas como são hoje em dia, existia um limite e a maioria das pessoas respeitava esse limite.

Eu sei que nós não vivemos em uma ditadura, eu sei que todo mundo tem algo a dizer e não existiria nenhum problema em dizer o que você quer dizer se isso não afetasse a decisão do outro ou se a sua opinião não viesse cheia de ódio, xingamentos e afins. Todos os dias tem alguém na internet dizendo que não aguenta mais os xingamentos, o bullying, a falta de respeito e o ódio gratuito. E todos os dias tem alguém fazendo tudo isso e mais um pouco em posts aleatórios nas redes sociais. E o pior é que não precisa de muito para que isso aconteça, basta você falar que não gosta de vestido, que um milhão de pessoas virão no seu post te xingar, porque você não gosta de vestido.

Todo mundo tem opiniões formadas sobre diversos assuntos, eu tenho várias opiniões sobre um monte de coisas, mas eu não vou atacar ninguém nos comentários de um vídeo que por acaso eu não gostei. Eu não vou ditar regras na internet sobre como as pessoas devem levar as suas vidas ou sobre qual religião elas devem seguir ou sobre qual é a melhor idade para fazer faculdade. Eu tenho limites, quando falo sobre alguma coisa, nunca é nos comentários de um post de alguém, é sempre na minha rede social, o que eu tenho feito cada vez menos justamente por cair na real de que as pessoas não devem fazer uma coisa ou acreditar em outra só porque eu quero que elas façam isso.

Viver já é suficientemente complicado, não é legal tornar essa experiência pior para uma pessoa só porque ela não gosta das mesmas coisas que você. Cada um sabe de sua própria vida, de sua própria história, cada um sabe dos sonhos que tem e das coisas que não querem para suas vidas. Respeitar o próximo é sobre deixar ele viver como ele quer viver, optando por aquilo que ele acha melhor para a própria vida. Se não houver uma mudança em nossas ações na internet, as coisas ficarão insuportáveis, se um despertamento coletivo não acontecer, o fim das redes sociais estará próximo, porque ninguém mais terá psicológico para lidar com tanto julgamento.

Foto de Craig Adderley
Foto de Ron Lach

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